sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Meus Infinitos Vinte Anos





Hoje acordei com um gosto em minha boca. Algo que muitos não conhecem, mais que recentemente me deparo. Não tenho vontade de levantar, algo também muito comum na minha rotina. Mas este gosto me força a ir ao banheiro lavar a boca, e já estando de pé, porque não começar o dia? Essa, seja talvez a minha fórmula, sabe? Aquela maneira de empurrar com a barriga que nós todos damos em uma coisa ou outra. Porém, preciso de uns ajustes, pois não funciona todos os dias. Decidi faltar no trabalho hoje, acordei mais cedo do que costumo. Sempre saio correndo. Mas hoje levantei com calma e tomei café em casa mesmo, pois não suporto mais o café da manhã do trabalho. Fui na padaria, coisa que nunca fiz, e comprei pão francês. O mesmo que dão no trabalho, só que talvez eu passe margarina melhor. Eu deveria fazer isso outras vezes, se eu não acordasse 10 minutos antes de entrar no trabalho. Um detalhe importante de se lembrar, é que só decidi faltar no trabalho no meio do caminho. Não pego trânsito, moro perto do trabalho, e não tenho bicicleta, vou de carro mesmo. Ao invés de lá, escolhi ali. Mas é muito cedo para ir ali. São sete da manhã. O que se tem para fazer esse horário numa terça-feira? Mas também é tarde demais para entrar no trabalho. Devem estar um pouco bravos aliás. Olho no celular e não tenho nenhuma mensagem que realmente queira ler, guardo-o no bolso com uma expressão ligeiramente mais triste do que antes, volto as mãos no volante e sigo no sinal verde. Começo então achar um lugar que chame a atenção na cidade, tenho todas as vagas possíveis para isso afinal. Passo em frente á minha faculdade com um certo desdém, nem olho pra calçada. A calçada da minha faculdade há um tempo atrás era um lugar onde dois pares de tênis com uma distância pequena entre eles, me fazia mostrar os dentes. Ora, que coisa sútil! Mas é bom me acostumar ao fato de que isso não acontece mais, embora seja a coisa mais difícil que me propus a fazer. Passo adiante e encontro o Shopping, fechado. Será que tem um bom filme passando essa semana? Desde que voltei a estudar, tenho assistido muitos, muitos filmes. E muito deles no cinema, assim mesmo, sozinho. Gosto de imaginar o que os vendedores da bilheteria pensam quando apareço. Sempre só na fila, e comprando também um só ingresso.
Antes eu procurava todas sutilezas e encantos possíveis que eu achava que o diretor queria transmitir numa cena, já nesse capítulo mais cinzento da minha vida eu não sei por qual razão eu pareço encontrar a câmera no reflexo dos carros, espelhos ou óculos da personagem. Ou até mesmo a sombra do câmera-man no girar da cena. Isso ao invés de me tirar o apetite do filme, visto como um erro de gravação, me faz prestar mais atenção ainda. E atenção é algo que neste impasse da minha vida, se ausenta. Visto que notas azuis só vêm acompanhadas de nome no trabalho dos outros e não estourando em faltas, e no trabalho um rendimento medíocre, forçado e com grandes doses de café, mesmo odiando café.
Encontro uma vaga debaixo de árvores perto de um dos parques da cidade, e por la estaciono. Não sei quanto tempo isso pode demorar, mas as árvores são as melhores amigas do homem neste calor infernal que toma conta do país. Dito desta maneira nem parece puro sarcasmo.
Então passo a seguir em frente a pé. Na área mais nobre da cidade, onde o cinza é ainda mais cinza, mas não há muita poluição sonora. Escolher um lugar assim tem lá seus motivos. Procurar cores num lugar onde só existem muros de condomínios e prédios é uma tarefa difícil. Quando faço isso perco aquele meu velho hábito de olhar pro chão, e procuro coisas que valham a pena serem observadas, ou não. De cara encontro uma senhora correndo com um pequeno cachorro na coleira. Avanço mais um pouco e encontro alguns comércios, ainda abrindo. Olho para o relógio do celular, e continuo. Será que estou mesmo tão ruim assim? Não consigo achar nada de interessante. Observo que as folhas das árvores nem se mechem, mas o calor logo toma conta. Um ar pesado, nem posso culpar o sol, ele ainda está alaranjado e tocando a pele carinhosamente. Olho ao redor e vejo o laranja por toda parte, tocando não só a mim com esse afeto, mas também os tão desesperadores prédios. Definitivamente eles ficam mais bonitos assim. Com aquele hábito vêm os pensamentos, e logo busco o chão de novo, me deparo com minha enorme sombra, esticada ao máximo. Se eu fosse tão alto como a minha sombra se projeta agora, eu poderia ver por dentro dos
condomínios e saber enfim como é lá dentro. Daqui tão baixo só consigo ver os telhados. São esses malditos muros altos. Frustrado com a tentativa de encontrar graça nas coisas, vou fazendo o caminho de volta.
Já sinto falta da minha cama. Volto pro carro, paro pra abastecer no meio do caminho e sou surpreendido por um daqueles frentistas que gostam de puxar papo:
– Olha se esse não é o nosso tenista famoso. Bom dia senhor!
– Bom dia. Tenista? Aham, bom que fosse, não?... - respondo com a boca apoiada na mão.
– Sim! Vai dizer que não é mesmo ele, com esse cabelo e magrelo? Só estou brincando senhor,
o que vai querer? - diz percebendo que eu não estava para piadinhas.
– Põe vinte.
– É pra já! - crescendo o olho, com aquela expressão de quem sabe quando se está lidando
com um cliente chato. Ora, eu tenho um bom coração! Mas quando não é o seu dia, ou no caso, quando não são os seus melhores meses, a gente acaba sendo grosso. Manter diálogos vêm sendo um pé no saco. Diálogos no trabalho, faculdade, ou em bares por aí são mais estressantes que meus exercícios de cálculo. Por mais simples e banais que possam ser.
Chego em casa quase duas horas depois de ter saído. Meus irmãos na escola, e minha mãe no trabalho, a casa fica com um silêncio espetacular. Diria divino, se eu acreditasse nessas coisas. Mas tomado por pensamentos, e pela tristeza, choro. Choro como uma criança, quem sabe na tentativa de dar sonoridade ao lugar, ao ver que nem é tão bom o silencio todas as vezes.
Como dá para se notar, estou cheio de constâncias atualmente. Dito isso, automaticamente liga-se os pontos que comprovam que não é a primeira vez que eu falto no trabalho, que vou ás lágrimas, que estou sendo grosso com outros seres humanos, ou ainda que ando procurando outras realidades
senão a minha. Não sei o que posso culpar por estar passando por isso. Talvez seja algo de dez anos atrás, ou a namorada que resolveu seguir carreira solo logo depois que descobri que posso amar. Um trauma que sofri, ou dois. O desgostoso mundo em que vivo, cheio de pais matando filhos, e vice-versa. Canalhas matando por quantias que nem dão para se comprar um refrigerante. Fome, sede, secas. Extinções, seja da música boa, de espécies do melhor couro ou da gentileza. Estupro, genocídios,
política, educação, saúde. Me falta até o fôlego e me dá tremedeira citar. Não sou nem um santo, nem doou sangue, não sei porque fico triste com tais coisas e não faço nada a respeito. Para a sociedade sou apenas um rapaz comum, que está na fase de se achar incomum entre todos.
Mas eu sei que não sou como os outros. Quando se tem tantas incertezas à sua volta você sabe quando encontra uma certeza.
Gostaria de retroceder ao zero e encontrar lembranças, sentimentos e histórias para revivê-las.
Achar de alguma forma como me consertar, afinal eu comecei a viver agora, e sabendo que só se vive uma vez, não quero desperdiçar a chance, que, eu quase joguei fora diversas vezes. Onde e quando será que tudo perdeu o sabor? Acho que devo voltar um pouco nessa história. Um pouco não, duas décadas.


Trecho retirado do livro: Meus Infinitos Vinte Anos do autor Lucas Nikolai.

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